Sobre a Vida, Sobre o Caderno

Profundeza

Você já mergulhou no seu profundo?

Não falo de molhar os pés nas marés dos seus pensamos. Ou de entrar nas sombras dos seus sentimentos.

Falo de afundar em meio ao oceano que te naufraga o peito. De se perder em águas das quais não conhecia a profundeza.

Já foi, fundo, dentro de você? 

Fundo até deixar de tocá-lo com os pés? Não enxergar a superfície e se assustar com a escuridão de lá de dentro? 

Fundo até se reconhecer em todo aquele vazio. 

Até não mais saber, uma vez emerso, se foi lá que uma velha parte sua se afogou. Ou uma nova que se revelou. 

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Sobre o Caderno

Oração

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Que minhas mãos continuem a escrever. Que, quando as palavras as fizerem doer, possam as frases e sentenças fazerem-nas esquecer.

Que elas escrevam até sangrar. Que possam, assim, exorcizar os versos que com “felicidade” teimarem não rimar.

Que meu coração tenha sempre o que falar. E minha alma muito a dizer. Que as palavras falem, todas, por mim. Que sejam um começo em maiúscula, depois de cada fim.

Que a pauta desobrigue-se de ser reta. Que a vida seja uma história em linguagem direta. Conjugando, sempre, sorrisos nesse peito. Um para cada sujeito. Num inventado futuro mais-que-perfeito.

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Sobre o Caderno

Entrelinhas

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Tenho pautado minha vida nas linhas desse caderno. Nem sempre retas. Nem sempre tortas. Em linhas quase nunca paralelas.

Tenho curado cada ferida com cada letra. Tenho dividido angústias em curtos parágrafos. Sentenciado sentenças a pontos finais. Muitos, para muitas dores. Certeiros, para certos amores.

A cada linha, afundo-me em mim. Encaro-me por dentro. As palavras são espelhos dos sentimentos tortos que me fazem apertar as entrelinhas até sangrar. Dos muitos defeitos sob os quais estabeleci as regras da minha linguística.

Escrever tem sido o exorcismo de mim. O externar da flor que aprendeu a florir só pra dentro. Tem sido a tesoura que poda a espinhenta roseira que me cresce aqui, no espaço entre a boca do estômago e o coração.

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Sobre o Caderno

O que não coube no caderno?

Certa vez, uma dessas pessoas queridas que a gente costuma encontrar por aí, me deu um caderno de presente. Não lembro qual a ocasião. Mas lembro que era um presente apropriado. Apropriado para ficar guardado por meses na minha gaveta. Não com desprezo, com carinho.

Muitos dias depois, era uma outra certa vez. A vida estava pesada. Foi à luz do monitor que peguei esse caderno e comecei a escrever frases sem sentido. Tudo pareceu ter ficado mais leve.

Comecei, então, a escrever nele aquilo que não cabia mais no meu coração. Mas páginas se acabam. E, hoje, preciso de um outro lugar para escrever aquilo que não coube no caderno (e no coração).

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